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Channel: Cinema europeu – Clássicos Universais
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A Bela e a Fera (Beauty and the Beast), de Jean Cocteau

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Quase meio século antes de a Disney levar ao público infantil o conto clássico de A Bela e a Fera (La Belle et la Bête), a adaptação de Jean Cocteau já despontava como um marco do cinema fantástico em plena Europa pós-guerra.

Pontos principais:

  1. Dirigido com maestria e uma variedade surpreendente de recursos que vão desde a exibição ao revés à sobreposição de imagens;
  2. Os sets do castelo, projetados pelo próprio Cocteau, são maravilhosos;
  3. A iluminação foi um desafio muito bem superado;
  4. A caracterização de Besta é assustadora e fascinante;
  5. Bela é realmente bela;
  6. O subtexto sexual do filme.

Muitos cineastas se preocuparam e ainda se preocupam em situar seus filmes dentro dos limites da realidade, como se esta fosse o veículo exclusivo para suas mensagens. Esse é um tipo de cinema cuja única ilusão é fazer a ação parecer retilínea e ininterrupta no espaço-tempo. Apenas alguns raros títulos permitem-se o luxo de serem verdadeiramente retilíneos e ininterruptos – Arca Russa (Russian Arc / Russkiy kovcheg), de Alexander Sokurov, é um deles. Todos os demais simulam essa condição, apesar dos fragmentos de que são feitos.

Outros cineastas procuraram a verdadeira ilusão cinematográfica: tornar possível o impossível. Jean Cocteau está entre estes. É infrutífero discutir uma obra tal Sangue de Um Poeta (The Blood of a Poet / Le Sang d’Un Poète) em termos de realidade, porque seu conteúdo orbita fora da esfera do palpável e sua mensagem, posto que intocada pelos padrões no real, passa diretamente a um nível inconsciente de compreensão.

A Bela e a Fera (1946) é um desses filmes que habitam em um universo próprio e revelam-se diferentes para cada espectador. E o tema não poderia ser mais propício: baseado no clássico de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, o conto de A Bela… narra uma bela donzela perseguida pela maldade de suas irmãs, um homem-besta que na verdade é um príncipe encantado, um castelo assombrado, um amor impossível e todas essas características às quais já estamos acostumados em histórias fantásticas.

O objetivo de Cocteau não fora de adaptar a fantasia, de torná-la plausível, mas de revivê-la pela experiência cinematográfica. Eis as palavras que aparecem logo após os créditos iniciais:

“As crianças acreditam no que se diz a elas. […] Elas crêem em milhares de coisas bem ingênuas. É um pouco dessa ingenuidade que eu vos peço e, para dar sorte a todos nós, deixai-me proferir estas quatro palavras mágicas, o verdadeiro “abre-te, Sésamo” da infância: Era uma vez…”

O diretor com isso pede ao espectador que este se desamarre da realidade e permita que aquele desenrole a fantasia, esse universo próprio, diante de seus olhos. E a Cocteau não faltaram recursos de criação, ainda que os recursos para a criação apresentaram certas limitações. Basta nos lembrarmos de que a Europa nesse período acabara de sair de uma guerra catastrófica e ainda demoraria muito a se recuperar.

No entanto, é interessante notar, a França exibiu produções formidáveis no período da Segunda Guerra Mundial, mesmo com todas as dificuldades. A Regra do Jogo (The Rules of the Game / La Règle du Jeu), dirigido por Jean Renoir em 1939, e especialmente O Boulevard do Crime (Children of Paradise / Les Enfants du Paradis), por Marcel Carné em 1945, são destaques do cinema de courage dos franceses.

Em A Bela… não foi diferente. Várias cenas tiveram de ser filmadas com tipos de filmes variados, a resultar em uma série de nuances na textura. Os sets também não são muitos nem apresentam qualquer coisa além do essencial; de nenhum modo isso é um defeito, é somente um detalhe. Por sinal, os sets são belíssimos e adequadamente iluminados. Como ilustração, no castelo de Besta (Jean Marais) só conhecemos quatro aposentos: o salão de jantar, um corredor deslizante, o quarto de Bela (Josette Day) e o pavilhão de Diana. Nada comparado à suntuosidade da versão da Disney.

Corredores deslizantes deveriam existir por toda parte…

E por falar em Disney, esta tem muito a agradecer pela visão de Cocteau. Na animação de 1991 encontram-se várias homenagens: a aparência de Besta, os arredores do castelo, os objetos animados e até o personagem do bonitão que ao tentar conquistar a mocinha planeja contra o príncipe. Mas tudo isso parece aceitável em uma animação feita no ano de 91. 46 é o verdadeiro marco para a fantasia bestial.

Um bom ano para se ter pesadelos com égides também…

Agora, não nos enganemos ao pensar que por se tratar de um filme fantástico as filmagens foram-no também. De nenhum modo, foram demasiado reais e até bastante cruéis. O diretor precisou ser internado devido a uma grave doença de pele que o fazia descascar e sangrar pelos poros afora, situação análoga a de Marais no papel de Besta. A caracterização demorava 5 horas diárias e envolvia a colagem de pêlos de animais (sim, pêlos de verdade) direto em sua pele. Imagine-se quão doloroso era desgrudá-los dia após dia – para então os grudar de novo.

E tu que reclamas de te afeitares ou de te depilares…

Todo esse trabalho não se tratou de um mero capricho dos idealizadores. A aparência de Besta precisava ser animal porque muito de sua relação com Bela se dá para além da ingenuidade requerida por Cocteau ou presente na versão hollywodiana, mas em um nível instintivo, quase animalesco. Não podemos nos esquecer que ele é um homem e ela, uma mulher; ele é mais forte e precisa dela, ela é tem poder sobre ele e sente-se atraída. Ele a tirou de sua vida pacata, transformou-a em princesa; ela despertou seu desejo, pode transformá-lo de volta em príncipe. A tensão sexual entre os dois é mostrada por olhares e, com menor sutiliza, por sensações.

Vejamos a seguinte cena: Bela está no salão de refeições, onde espera Besta à mesa. A câmera mostra os rostos na lareira, mostra um relógio, depois faz um movimento para a esquerda e vemos a donzela, que logo tem um sobressalto. Ainda não sabemos o porquê. Em seguida a câmera continua à esquerda e ao fundo avistamos a chegada de Besta. Ou seja, ela sentiu a presença dele antes de a ver de fato. Bela é atraída pela sua presença feroz.

Ele se aproxima devagar. Ela se contorce na cadeira; suas feições se contraem, sua respiração é ofegante – seus lábios estão abertos, seus olhos fecham-se… Que belo poder o de Besta, fazer uma mulher atingir o orgasmo com sua simples presença! Pois nos deparamos claramente com um espasmo orgástico em cena. E ele sabe do que é capaz de afetar nele. Demora a alcançá-la, admira-a pelas costas. Então Bela, mais tranqüila, ora alisa com calma uma faca que representa mais do que uma faca. Críticos do porte de Roger Ebert têm a mesma opinião sobre o falicismo envolvido.

E inconsciente ou conscientemente todos nos interessamos mais pela relação de Bela com Besta do que dela com o príncipe encantado. Talvez nós nos atraiamos pelo aspecto animalesco da criatura, e não pelo humano que há nela. De qualquer forma, o desapontamento é geral quando Besta enfim se livra do feitiço e vira um nobre cavalheiro. Cocteau, ciente do efeito que causaria, apresentou-nos um príncipe meio afetado, um tanto bobo e vestido de um branco reluzente, ao contrário das sombrias vestes negras que a fera usava.

Acresce-se a isso o fato de que muitas das prerrogativas do enredo não se concluem no final. Espectador sabe da importância da rosa e da chave, só que na conclusão esses elementos parecem não mais importar. Sequer os personagens maus recebem sua vingança. É um pouco decepcionante o terminar abrupto do filme, como se o diretor quisesse encerrá-lo às pressas.

Assim, a decepção está estampada no rosto de Bela e nós compartilhamos seu sentimento. Mas, como no fim de todo conto de fadas, o mocinho e a donzela partem com a promessa de viverem felizes para sempre. Ou até que ela canse dele.

Ficha técnica:
Título: Bela e a Fera, A / Beaty and the Beast / Belle et la Bête, La;
Direção: Jean Cocteau;
Elenco: Jean Marais, Josette Day, Marcel André, Mila Parély, Nane Germon, Michel Auclair…;
Roteiro: Jean Cocteau, Jeanne-Marie Leprince de Beaumont;
Cinematografia: Henri Alekan;
Edição: Claude Ibéria;
Distribuição: Lopert Pictures;
Ano: 1946;
País: França;
Gênero: Fantasia.


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